A Casa da Mulher Trabalhadora-CAMTRA e a Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – Plataforma MROSC repudiam veementemente as declarações do Presidente da República que usou os casos de violência contra as mulheres para defender o fim do isolamento social frente à pandemia do novo coronavírus. “Tem mulher apanhando em casa. Por que isso? Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Como é que acaba com isso? Tem que trabalhar, meu Deus do céu. É crime trabalhar?” afirmou Bolsonaro à jornalistas no dia 29 de março.
Diversos estudos e a experiência de países em que o COVID-19 chegou antes que ao Brasil confirmam que o isolamento social é a única forma de diminuir o número de casos e mortes. Da mesma forma, também é correto afirmar que a violência contra as mulheres e a violência doméstica —embora sim sejam agravadas por situação de crises, como as pandemias — são questões estruturais e sistêmicas, que estão longe de acabar independente da quarentena.
Em 2018, a cada dois minutos, uma mulher foi vítima de violência doméstica no Brasil e por dia 180 foram vítimas de estupro, conforme apontou o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Já no ano passado, de acordo com o Núcleo de Estudos da Violência da USP, em parceria com o Fórum de Segurança Pública, o Portal G1 e as Secretarias de Segurança estaduais, o número de feminicídios cresceu 7,3 % no país em comparação a 2018, totalizando 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres (números provavelmente subnotificados, conforme apontam especialistas na área).Tais dados indicam que a violência contra a mulher no Brasil é um fenômeno sistêmico, potencializado pelas desigualdades de gêneros como o a misoginia, a divisão sexual do trabalho, o racismo e os discursos de ódio.
Por isso, combater a violência contra as mulheres exige o enfrentamento do machismo enraizado em nossa sociedade, o investimento em políticas públicas como a educação não sexista, a importância e o debate das questões de gênero nas escolas, o treinamento e aprimoramento do atendimento nas Delegacias da Mulher – DEAM, a construção e o fortalecimento de redes de assistências e apoio à vítimas de violência física e sexual, a garantia do respaldo e amparo jurídico e institucional às vítimas, entre outras ações. Infelizmente, o Brasil, segue na direção contrária dessas políticas, reduzindo o orçamento dos programas de assistência a mulher e combate à violência de gênero. Entre 2015 e 2019, o orçamento da Secretaria da Mulher do governo federal diminuiu de R$ 119 milhões para R$ 5,3 milhões.
É por esses e outros motivos, que enquadrar a violência doméstica apenas no contexto da quarentena e do Covid-19 não só é um equívoco como é também um desrespeito à todas as mulheres e todas as redes e movimentos feministas que atuam no combate da violência de gênero. Tais declarações, infelizmente, demonstram o oportunismo de quem põe os lucros e os interesses econômicos acima da saúde ou do bem-estar das mulheres e da população em geral.