Nós, as Mulheres idosas: Resistências e Aprendizados em Tempo de Covid-19

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“[…] paremos de trapacear; o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos espera; não sabemos quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquele velho, aquela velha, reconheçamo-nos neles.”
(Simone de Beauvoir, 1970, p.12)

A violência contra nós mulheres permeia toda a nossa existência. Desde que nascemos, é sempre um risco, da infância à velhice, as violências são diversas: patrimonial, física, psicológica, financeira ou até o feminicídio. Mas são nas idades dos extremos, seja quando criança, seja na velhice, que costumam nos ferir de forma mais agressiva, pois não existe nem a possibilidade da reação e no caso da mulher idosa, em geral, o contexto familiar e da idade avançada são os fatores que a tornam mais vulnerável.

A casa nunca protegeu ou foi um lugar seguro para mulheres, nem mesmo para as idosas. Existe um silenciamento sobre a questão das violências sofridas pelas mulheres idosas, acima de 60 anos, que costumam ser praticadas por filhos e parentes próximos. Elas estão sendo muito afetadas pela pandemia, a depender da classe social, são responsáveis pelos cuidados da casa, das netas, dos netos e das pessoas doentes da família.

Estão no topo da pirâmide da rede de cuidados. Além de tudo isso, muitas ainda trabalham fora de casa, mesmo na pandemia e sendo a população mais vulnerável, estão arriscando suas vidas, trabalhando e contribuindo ou mesmo sustentando as despesas da casa.

Violência contra Mulheres Idosas no Brasil

Em 2019, dados da Central Judicial do Idoso (CJI/DF) atendeu 192 casos de violência. A população do sexo feminino está entre o maior número de vítimas, com o total de 115 vítimas. Em 124 agressões, os autores eram os próprios filhos e, muitas vezes, uma denúncia traz mais de um tipo de violência. Houve um total de 272 registros de violência para os 192 acolhimentos do último ano.

Os filhos contabilizam a maior parte dos agressores, com o total de 65% (124 casos), seguidos de outros familiares com 19% das ocorrências (36 registros) e 7% de pessoas conhecidas (15 dos casos), grupo no qual estão incluídos amigos, cuidadores e vizinhos. A faixa etária com maior número de denúncias foi de 60 a 69 anos (60 casos, 32%), e em segundo lugar aquelas entre 70 e 79 anos e 80 e 89 anos, com 46 casos em cada uma.

Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e econômico estão entre os tipos de violência mais praticados contra as pessoas idosas no Brasil. “Com a pandemia, as denúncias aumentaram”, afirma mestra em gerontologia e presidenta destituída do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI), Lúcia Secoti. Dados da secretaria nacional de promoção e defesa dos direitos da pessoa idosa, oriundos do Disque 100, apontam que, em março de 2020, foram registradas 3 mil denúncias, em abril, esse índice passou para 8 mil e, em maio, foi para quase 17 mil.

Feminismo sem trégua!

Nós da Camtra, que somos uma organização feminista, devemos aumentar nossos esforços para fortalecer as vozes das mulheres idosas, para que possam romper com o silenciamento e o sofrimento, na contra mão da juventude de corpos perfeitos, valorizados por uma sociedade capitalista, patriarcal e misógina. Nossos corpos, embora representem a nossa experiência humana de vida, são descartáveis e agora já são um incomodo, pois estão flácidos. A vida é curta e muitas de nós continuamos trabalhando, mas o nosso valor é quase nada.

Tudo isso nos faz pensar na luta cotidiana das mulheres negras que trabalham até morrer, quase nunca tem aposentadoria. E também nas mulheres lésbicas velhas, discriminadas quando novas, por sua orientação sexual. Agora, velhas, quem vai nos amparar? A família? As amigas, amigos, parentes? Qual o cômodo da casa que sobrou para nós?

Nossa luta como feministas é garantir políticas públicas para todas, lutar e resistir, porque enquanto há vida, há luta. Mulheres idosas resistem. Somos portadoras de direitos garantidos pelo Estatuto do Idoso, por nossa Constituição Federal e também pela Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006.

Celebremos, portanto, esse dia 15 de junho, Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, data instituída em 2006, pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa (INPES).

Fontes: http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1299-pandemia-aumenta-denuncias-de-negligencia-contra-populacao-idosa-no-brasil | https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2020/06/15/interna_cidadesdf,863933/mulheres-idosas-sao-as-mais-agredidas-filhos-costumam-ser-os-agresso.shtml | Beauvoir, Simone. 1976. A velhice: realidade incômoda. (2a ed.). DIFEL, São Paulo.

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