Por Maria Lúcia Meira – Colaboradora Camtra
“Aquele homem ali diz que mulheres têm que ser ajudadas para subir nas carruagens, e levantadas sob as valetas, e ter o melhor lugar onde seja. Ninguém nunca me ajuda a subir em carruagens, ou sobre lamaçais, ou me dá lugar melhor nenhum! Não sou eu uma mulher? Eu dei à luz treze crianças, e vi quase todas serem vendidas para escravização, e quando eu chorei meu pesar de mãe, ninguém além de Jesus me ouviu! Não sou eu uma mulher?”
O discurso acima foi feita durante a Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851, por Sojourner Truth — uma mulher negra nascida escrava, liberta e engajada na luta abolicionista norte-americana. A fala evidencia com precisão como o mito da fragilidade feminina nunca serviu às mulheres negras nem as poupou de sofrer as mais covardes formas de violência durante e após a escravidão.
O recente episódio de violência policial sofrido por uma comerciante negra de 51 anos, na periferia de São Paulo, é mais um triste exemplo da violência e do racismo estrutural infligidos sobre os corpos das mulheres negras. E por pouco não poderia ter terminado em uma tragédia ainda maior, como aconteceu com Luana Barbosa, mulher preta e lésbica que morreu após ser espancada por policiais militares em Campinas, em 2016. Ou Claúdia Ferreira, baleada e arrastada por mais 300m por uma viatura policial em 2014. Ou ainda, Marisa Carvalho, mulher negra e moradora da Cidade de Deus (RJ) que morreu de mal súbito, em 2018, após levar uma coronhada de um policial militar, ao intervir por seus filhos. Assim como diversos outros casos conhecidos e desconhecidos nas vielas e periferias do Brasil.
A proporção epidêmica da violência contra as mulheres, em especial as negras, pode ser também entendida a partir de sua tolerância social. Se não fosse tolerada social e culturalmente, não seria sistêmica¹, conforme os dados evidenciam. Essa violência percorre a infância e a adolescência das mulheres negras, deixando-as mais suscetíveis a abuso sexual e físicos. Perpassa a vida adulta, que as torna maioria dos casos de violência obstétrica, violência doméstica, sexual e feminicídio. Portanto, para nós que desejamos um mundo sem violência para as mulheres e com mais igualdade de gênero, é fundamental, agora mais do que nunca, pensar a urgência da luta antirracista no feminismo. Precisamos estar lado a lado na luta contra o racismo, contra a brutalidade e violência policial, e abandonar de vez os discursos universalistas do que é ser mulher.
Nos unimos às vozes de indignação e exigimos justiça nesse caso, assim como para Miguel, Marielle e tantas outras(os). Basta de violência contra corpos pretos. Aqui no Brasil, e nos EUA, ou em qualquer lugar. Seguimos juntas no enfrentamento ao racismo e ao machismo estrutural!
#VidasNegrasImportam
Análise sobre a violência contra a mulher no Brasil – Núcleo de Estudos e pesquisas Legislativas. https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td228